Back

Constantemente Inconstante

Se sabemos fazer algo muito bem, esse algo é perguntar onde está Deus?

O sentimento de solidão é capaz de nos levar do topo ao fundo do poço em questão de segundos, o vazio do coração torna-se um buraco negro dentro de nós, que grita por socorro, que clama por um salvador.

Seria hipocrisia (ou simplesmente um absurdo) dizer que não estamos suscetíveis a qualquer tipo insegurança, medo, ou até mesmo depressão. Mas ao contrário do que alguns pensam, tais sentimentos não são resultantes (simplesmente ou apenas) de uma vida cristã deliberada, mas tem como base a natureza falida e frágil do ser humano.

Fato é que, quando esses momentos de angústia chegam, o nosso eu vem à tona trazendo consigo o egoísmo, a indiferença, a falta de amor próprio e a necessidade de encontrar um culpado: Deus.

Em 1Reis há uma história muito interessante, cujo o personagem principal é o profeta Elias. Se você lembra algo sobre esse rapaz, muito provavelmente é o fato dele ter sido "levado para o céu num redemoinho" (2Reis 2.11), porém, a história que vou contar agora sobre ele é tão intrigante quanto essa da espetacular carroagem de fogo.

No capítulo 18 vemos um episódio em que Elias desafia 850 profetas de Baal e Aserá no monte Carmelo, pois o povo estava "em cima do muro" entre o SENHOR e Baal. Neste contexto, Elias já havia predito uma grande seca na terra no início do capítulo 17, e agora vem "sozinho" enfrentar 850 profetas que estavam do lado contrário da história.

O desafio consistia num sacrifício que deveria ser preparado, mas que o verdadeiro Deus consumiria, ou o SENHOR, ou Baal. Agora não tinha mais escapatória, Elias havia se metido numa situação complicada.

Porém, com todas as circunstâncias, o profeta não pareceu abalado, e após os 850 profetas gritarem, dançarem, e até se mutilarem no clamor a Baal sem nenhuma resposta, Elias tirou uma onda antes de pedir sua vez:

“Vocês precisam gritar mais alto”, dizia ele. “Sem dúvida ele é um deus! Talvez esteja meditando ou ocupado em outro lugar. Ou talvez esteja viajando, ou dormindo, e precise ser acordado!” (1Reis 18.27)

Pois é, e em seguida, depois das repetidas tentativas inúteis dos profetas, Elias os chama para mostrar quem é que manda nisso tudo.

"Pegou doze pedras, uma para cada tribo dos filhos de Jacó, a quem o Senhor disse: 'Teu nome será Israel', e com elas reconstruiu o altar em nome do Senhor. Depois, cavou ao redor do altar uma valeta com capacidade suficiente para doze litros de água. Empilhou lenha sobre o altar, cortou o novilho em pedaços e colocou os pedaços sobre a lenha. Em seguida, ordenou: 'Encham quatro jarras grandes com água e derramem a água sobre o holocausto e a lenha'. Depois que fizeram isso, disse: 'Façam a mesma coisa novamente'. Quando terminaram, ele disse: 'Agora façam o mesmo pela terceira vez'. Eles seguiram sua instrução, e a água corria ao redor do altar e encheu a valeta." (1Reis 18.31-35)

Não satisfeito em preparar o sacrifício como os profetas fizeram, Elias foi mais ousado, ele encharcou tudo com água... E detalhe: já era o terceiro ano sem chuva, e Elias literalmente estava esbanjando água para molhar o sacrifício... Mas que fé é essa, não?! Além de crer que viria o fogo para consumir o sacrifício, Elias sabia que a chuva havia de voltar.

Tudo pronto, chegou a hora da ação, e Elias faz uma supreendente e curtíssima oração ao Deus de Israel, que se você repetir aí numa velocidade razoável, não vai levar 20 segundos para terminar. E pronto, isso foi o suficiente para que Deus viesse e consumisse o sacrifício, queimando tudo e secando até a água das valetas. Neste momento, o Deus de Israel mostrou a todos os profetas que era o verdadeiro Deus e que estava com Elias.

Em seguida, Elias ora por chuva, e Deus manda! Depois de três anos! (1Reis 18.41-45)

Glórias a Deus, nós dizemos nessa hora, não é mesmo? Pois bem, esse foi um belo episódio de como a fé e a confiança em Deus são poderosas para a vida do crente, Deus não muda, Deus não se atrasa, Deus não nos abandona, jamais! Não é mesmo, Elias?

Acabe contou a Jezabel tudo que Elias havia feito, incluindo o modo como havia matado todos os profetas de Baal. Por isso, Jezabel enviou esta mensagem a Elias: “Que os deuses me castiguem severamente se, até amanhã nesta hora, eu não fizer a você o que você fez aos profetas de Baal!”. Elias teve medo e fugiu para salvar a vida. Foi para Berseba, uma cidade em Judá, e ali deixou seu servo.

Então... parece que o nosso grande profeta não era de ferro... O cara que teve peito para dizer que não iria mais chover, teve peito pra enfrentar 850 profetas de Baal em nome do Deus de Israel, e que depois teve peito para orar para que houvesse chuva novamente. Esse cara, teve medo.

Ali, no fundo da depressão e do desespero, o grande profeta orou para que morresse. Elias fugiu para bem longe, jornada que só foi possível pois um anjo o serviu, fazendo-o se alimentar. (1Reis 19.5-8)

No monte Carmelo vimos o grande Elias como um líder espiritual, salvando os israelitas mediante sua fé e fidelidade que demonstrou. Agora no monte Horebe, vemos o outro lado de Elias: fraco, frágil, debilitado, deprimido, inseguro, egoísta e necessitado da repreensão divina.

No escuro e frio de uma caverna, Deus pergunta a Elias "O que você faz aqui, Elias?" (v.9b) A pergunta de Deus mostra que, apesar do anjo ter possibilitado a viagem de Elias, seu lugar não era ali.

Ele respondeu: “Tenho servido com zelo ao Senhor, o Deus dos Exércitos. Contudo, os israelitas quebraram a aliança contigo, derrubaram teus altares e mataram todos os teus profetas. Sou o único que restou, e agora também procuram me matar”. (1Reis 19.10)

Elias aqui deixou claro sua situação. Ele desvalorizou totalmente o que aconteceu anteriormente no monte Carmelo, considerou o povo totalmente sem fé, não levando em consideração Obadias e da possibilidade de haver outros como ele (1Reis 18.3-4).

Deus então o chama para fora, e então 3 grandes fenômenos acontecem diante de Elias: um grande vendaval, tão intenso que faziam as pedras se soltarem do monte, mas Deus não estava no vendaval. Depois, um terremoto, mas Deus também não estava no terremoto. Em seguida, houve fogo, mas Deus não estava no fogo.

E, depois do fogo, veio um suave sussurro. Quando Elias o ouviu, cobriu o rosto com a capa, saiu e ficou na entrada da caverna. (1Reis 19.12b-13)

Alguns teólogos defendem que a expressão "suave sussuro" não expressa bem a enigmática expressão hebraica que pode ser melhor traduzida como "um breve som de silêncio".

Com isso, Deus nos mostra que suas ações nem sempre estão ligadas a atos miraculosamente grandes e visíveis, mas que Ele pode escolher estar presente silenciosamente. Às vezes, Deus trabalha de formas que nem mesmo seus servos conseguem enxergar.

Nesse momento tão difícil, nos perguntamos aonde está Deus? Será que Ele está agindo? Ou até mesmo será que ele se retirou como o deus dos profetas de Baal no monte?

O próprio SENHOR nos dá seu ponto de vista, mostrando que até mesmo em meio ao silêncio nos guia em sua boa, perfeita e agradável vontade. Nossa fragilidade e vulnerabilidade espiritual nos faz sermos sempre inconstantes, nos deixando abalar pelas situações e nos esquecendo das grandes coisas que Deus fez e continua fazendo em nosso meio. A depressão e angústia permeia a humanidade e a igreja do SENHOR, trazendo a desesperança, a tristeza, a indiferença e o egoísmo.

Este pode ser o momento em que você se encontra dentro da caverna, mas Deus não te deixa lá dentro sozinho, Ele está com você, e te pergunta "O que você está fazendo aqui?"

O que você pode fazer hoje por aqueles que estão próximos a você? Não dá pra doar milhões de dólares a instituições de saúde para ajudar pessoas contaminadas? Mas dá pra você escrever uma mensagem de apoio colocando esses profissionais em suas orações.

Você está confinado com seus familiares em casa? Qual foi a última vez que vocês conseguiram passar um dia inteiro sentando-se a mesa juntos, sem ter a correria de comer e ir embora para algum compromisso mais importante?

Você sente saudade de seus amigos e de estar junto das pessoas que ama? Como tem sido valorizar tanto uma chamada telefônica ou uma videoconferência com eles para conversar e desabafar?

Você nunca parou, agora é obrigado a parar. Então já que parou, reflita.

Será que Deus realmente abandonou a humanidade? Ou será que Ele está passando como um breve som de silêncio, possibilitando o exercício da caridade e do amor fraternal entre irmãos e desconhecidos? Possibilitando com que você saia da rotineira correria para um momento único de reflexão sobre seu propósito de vida? Possibilitando que você e eu possamos agir com generosidade e amor com os que mais sofrem com todo esse caos?

Deus fala, e continua falando, Ele age, e continua agindo. Porque Ele não muda.

Senhor, minha oração é para que o Senhor abra os meus olhos nesse momento, para que eu seja capaz de enxergar a sua vontade em meio ao caos, que eu seja capaz de escutar o sussurro suave que vem de Ti, e abençoar o meu próximo com minhas orações e meus recursos. Permita-me valorizar os que amo, e amar os que não conheço. Ajuda-me a ser generoso e compassivo com os que sofrem. Perdoa minha inconstância, minha falta de fé, minha desesperança, e me fortalece na tua Palavra, a fim de que eu possa ser benção na vida das pessoas que estão ao meu redor. Creio que és soberano, e que tens o controle nas mãos. Mostra-nos tua vontade e nos guia em amor, compaixão, generosidade, a fim de mostrarmos ao mundo o testemunho de que o Senhor é Deus e reina sobre tudo e sobre todos. Amém.


Photo by Priscilla Du Preez on Unsplash